De quem será o século
21?*
IMMANUEL WALLERSTEIN
Autor do livro "O Declínio do Poder Americano" delineia
cenários que
incluem o enfraquecimento dos EUA, o poder ascendente da China e a
anarquia multipolar
*Publicado na Folha de São Paulo – Artigo – 11.06.2006
Henry
Luce, em 1941, declarou que o século 20 era o século dos Estados Unidos. E a
maioria dos analistas, desde então, concordou com ele. É claro que o século 20
foi mais do que apenas o século americano. Foi o século da descolonização da
Ásia e da África. Foi o século do florescimento tanto do fascismo quanto do
comunismo, como movimentos políticos. E foi o século tanto da Grande Depressão
quanto da inacreditável e inusitada expansão da economia mundial nos 25 anos
que se seguiram ao final da Segunda Guerra Mundial. Mas ele foi o século dos
EUA, não obstante. Os Estados Unidos se tornaram a potência hegemônica
inconteste no período de 1945 a 1970 e moldaram um sistema mundial de acordo
com sua própria visão. Os Estados Unidos se tornaram o maior produtor econômico
mundial, a força política dominante e o centro cultural do sistema mundial. Em
suma, os Estados Unidos dirigiram o espetáculo mundial, pelo menos por algum
tempo. Hoje os EUA se encontram em declínio visível. Cada vez mais analistas se
dispõem a declarar isso abertamente, mesmo que a linha oficial do establishment
americano seja negá-lo com vigor, assim como certa parte da esquerda mundial
insiste em afirmar a hegemonia americana contínua. Mas realistas de mente clara
de todas as vertentes reconhecem que a estrela dos EUA está perdendo seu
brilho. A pergunta que percorre todo o trabalho sério de traçar prognósticos
para o mundo é, portanto, de quem será o século 21? É claro que ainda estamos
apenas em 2006, e é um pouco cedo para responder a essa pergunta com qualquer
grau de certeza. Apesar disso, líderes políticos de todas as partes vêm
lançando suas apostas e moldando suas políticas segundo essas apostas. Se
reformularmos a pergunta, indagando apenas qual poderá ser a cara do mundo em
2025, por exemplo, talvez possamos ao menos dizer alguma coisa inteligente.
Existem basicamente três conjuntos de respostas à pergunta de qual será a cara
do mundo em 2025. A primeira é que os EUA vão desfrutar uma última fase de
domínio, uma retomada de seu poder, e, na ausência de qualquer adversário
militar sério, continuarão a mandar no mundo. A segunda diz que a China tomará
o lugar dos EUA como superpotência mundial. A terceira reza que o mundo se
tornará uma arena de desordem multipolar anárquica e relativamente
imprevisível. Examinemos a plausibilidade das três previsões.
Improvável
Os EUA por cima? Existem três razões para se
duvidar disso. A primeira delas, de natureza econômica, é a fragilidade do
dólar americano como única moeda forte de reserva na economia mundial. Hoje o
dólar é sustentado por infusões maciças de compras de títulos por parte do
Japão, da China, Coréia e outros países. É extremamente improvável que isso
continue. Quando o dólar tiver uma queda dramática, ele pode provocar um
aumento momentâneo na venda de bens manufaturados, mas os EUA vão perder a
posição de comando sobre a riqueza mundial e a capacidade de ampliar seu
déficit sem sofrer penalidades sérias e imediatas. O padrão de vida americano
vai cair, e haverá um influxo de novas moedas fortes de reserva, incluindo o
euro e o iene. A segunda razão é militar. Tanto o Afeganistão quanto, em
especial, o Iraque vêm demonstrando recentemente que não basta possuir aviões,
navios e bombas. Um país precisa também dispor de uma grande força terrestre
para superar resistências locais. Os EUA não dispõem de tal força e não vão
dispor, por razões políticas internas. Logo, o país está fadado a perder
guerras desse tipo. A terceira razão é de natureza política. Países em todo o
mundo estão concluindo, pela lógica, que já podem desafiar os Estados Unidos
politicamente. Vejamos a instância mais recente disso: a Organização de
Cooperação de Xangai, que reúne a Rússia, China e quatro repúblicas
centro-asiáticas, está prestes a se ampliar para incluir a Índia, o Paquistão,
a Mongólia e o Irã. O Irã foi convidado no exato momento em que os EUA tentam
organizar uma campanha mundial contra seu regime. O "Boston Globe"
descreveu o que está ocorrendo como "aliança anti-Bush" e "um deslocamento tectônico em termos
geopolíticos". Será, então, que a China vai emergir no topo até 2025? É
verdade que a China vem se saindo muito bem economicamente, vem ampliando
consideravelmente sua força militar e está até mesmo começando a exercer um
papel político sério em regiões distantes de suas fronteiras. Não há dúvida de
que a China estará muito mais forte em 2025 do que está hoje -mas o país
enfrenta três problemas que terá que superar. O primeiro problema é interno. A
China não está politicamente estabilizada. A estrutura unipartidária tem a
força do sucesso econômico e do sentimento nacionalista a seu favor. Mas ela
enfrenta a insatisfação de cerca de metade da população, que não conseguiu
subir no bonde econômico, e a insatisfação da outra metade diante das
restrições impostas a sua liberdade política interna. O segundo problema da
China diz respeito à economia mundial. O crescimento incrível do consumo na
China (lado a lado com o da Índia) vai cobrar seu preço tanto do meio ambiente
mundial quanto das possibilidades de acúmulo de capital. Um excesso de
consumidores e de produtores terá repercussões graves sobre os níveis de lucro
mundiais.
União
O terceiro problema está nos países vizinhos
da China. Se a China levasse a cabo a reintegração de Taiwan, ajudasse a
promover a reunificação das duas Coréias e chegasse (psicológico e
politicamente) a um acordo com o Japão, poderia surgir uma estrutura
geopolítica unificada asiática que seria capaz de assumir uma posição
hegemônica no mundo. Esses três problemas podem ser superados, mas não será
fácil. E as chances de que a China consiga superar essas dificuldades até 2025
são incertas. O último cenário é o da anarquia multipolar e das flutuações
econômicas imprevisíveis. Em vista da incapacidade de se conservar em poder
hegemônico antigo, da dificuldade em se estabelecer um novo e da crise no
acúmulo mundial de capital, esse terceiro cenário parece ser o mais provável.
IMMANUEL WALLERSTEIN, pesquisador sênior na Universidade Yale, é
autor de
"O Declínio do Poder Americano" (Ed. Contraponto).
Tradução de CLARA ALLAIN