sexta-feira, 21 de junho de 2019

GUERRA CIVIL NA SÍRIA

A ONU considera que a guerra civil na Síria é a maior crise humanitária do século XXI. Hoje, estima-se que o conflito vitimou ao menos 250 mil pessoas, que mais de 4,5 milhões tenham saído do país como refugiadas e que outros 6,5 milhões foram obrigadas a se deslocar dentro da Síria. Com a economia em frangalhos, quase 70% dos sírios que permaneceram agora vivem abaixo da linha de pobreza. Como começou tudo isso?

Março de 2011 na Síria. Um grupo de crianças em Daraa (ou Dera), no sul da Síria, pichou frases com críticas ao governo, e foi preso. Inconformadas, centenas de pessoas saem às ruas da cidade para protestar contra as restrições à liberdade promovidas pelo governo do ditador Bashar Al-Assad. Num primeiro momento, simpatizantes dos que se rebelaram contra o governo começaram a pegar em armas – primeiro para se defender e depois para expulsar as forças de segurança de suas regiões. Esse levante de pessoas nas ruas, lutando por democracia, faz parte de um movimento chamado Primavera Árabe e podemos dizer que esse processo culminou no início da guerra civil na Síria.

Após a represália do governo de Assad contra os jovens que estavam se rebelando contra o regime, alguns grupos foram formados a fim de combater, de fato, as forças governamentais e tomar o controle de cidades e vilas. A batalha chegou à capital, Damasco, e depois a Aleppo em 2012. Mas desde que começou, a guerra civil na Síria mudou muito.

O Estado Islâmico aproveitou o vácuo de representação por parte do governo, a revolta da sociedade civil e a guerra brutal que acontece Síria para fazer seu espaço. Foi conquistando territórios tão abrangentes, tanto na Síria como no Iraque, que proclamou seu ‘califado’ em 2014. Para isso, tiveram de lutar contra todos: rebeldes, governistas, outros grupos terroristas – como se tivessem feito uma guerra dentro da guerra.

Há evidências de que todas as partes cometeram crimes de guerra – como assassinato, tortura, estupro e desaparecimentos forçados. Também foram acusadas de causar sofrimento civil, em bloqueios que impedem fluxo de alimentos e serviços de saúde, como tática de confronto.

Agentes externos: EUA x Rússia - Pelo avanço do Estado Islâmico no ganho de territórios, os Estados Unidos fizeram ataques aéreos na Síria em tentativa de enfraquecê-lo, evitando ataques que pudessem beneficiar as forças de Assad – isso em 2014. Em 2015, a Rússia fez o mesmo contra terroristas na Síria, mas ativistas da oposição dizem que os ataques têm matado civis e rebeldes apoiados pelo Ocidente.

O resumo da obra em termos de apoio é esse: a Rússia e os Estados Unidos querem o fim do Estado Islâmico. Porém, os Estados Unidos querem a queda do governo de Bashar Al-Assad – por considerarem que seu regime não-democrático é prejudicial à Síria – e, por isso apoia os rebeldes; por outro lado, a Rússia acredita na força de Assad e está apoiando seu regime. A Síria, então, é o território do fogo cruzado dessa guerra fria.

Governo Sírio e Aliados - O governo sírio é liderado pelo ditador Bashar Al-Assad. Ele é sucessor de uma família que está no poder desde 1970. O regime no país era brutal com a população, de partido único e laico – apesar de a família Assad ser xiita. Apesar de não apoiarem o ditador, cristãos, xiitas e até parte da elite sunita preferem ver Assad no poder diante da possibilidade de ter um país tomado pelos extremistas.

Quanto às alianças externas, Assad conta com o apoio do Irã e do grupo libanês Hezbollah. Juntos eles formam um “eixo xiita” – ou seja, seguem essa interpretação da religião islâmica – no Oriente Médio. O grupo se opõe a Israel e disputa a hegemonia no Oriente Médio com as monarquias sunitas, lideradas pela Arábia Saudita. O principal aliado de fora é a Rússia, que mantém uma antiga parceria com a Síria. Tanto o apoio do Hezbollah e das milícias iranianas, quanto os bombardeios mais recentes realizados pelas forças russas têm sido fundamentais para a sobrevivência do regime de Assad.

GRUPOS REBELDES - Uma das primeiras forças internas que se rebelou contra o governo sírio, praticamente começando a guerra civil na Síria, foram os grupos sunitas – Assad é xiita. São chamados de “rebeldes moderados”, por não serem adeptos do radicalismo islâmico. A organização está envolvida com países da Europa e com os Estados Unidos com o objetivo de derrubar o governo de Assad. Três grandes potências no Oriente Médio também colaboram com os rebeldes: Turquia, Arábia Saudita e Catar, relevando os interesses dos países próximos à Síria, também.

EXTREMISTAS ISLÂMICOS - Entre os grupos que querem derrubar Assad, há também facções extremistas islâmicas, que estão fragmentadas em diversos grupos. Uma das organizações que mais conquistaram terreno, principalmente nos primeiros anos do conflito, foi a Frente Al-Nusra, um braço da rede extremista Al Qaeda na Síria. Posteriormente, a partir de 2013, o grupo terrorista Estado Islâmico (EI) aproveitou-se da situação de caos criada pela guerra civil e, vindo do Iraque, avançou de forma avassaladora e brutal, ocupando metade do território sírio.

CURDOS - Os curdos também fazem parte da guerra civil na Síria. São uma etnia de 27 a 36 milhões de pessoas no mundo que vivem em diversos países, inclusive na Síria e em países vizinhos. Eles reivindicam a criação de um Estado próprio para o seu povo – o Curdistão. Desde o início do conflito na Síria uma milícia formada para defender as regiões habitadas pelos curdos no norte do país, se fortaleceu. Para o regime de Assad, tornaram-se bastante úteis, porque a milícia se opõe aos rebeldes moderados e também ao Estado Islâmico.

Estado Islâmico

O Estado Islâmico é um grupo terrorista e extremista que age em torno da religião islâmica. Surgiu de outra célula terrorista, pois se intitulava “Al Qaeda no Iraque” – e estava presente lutando contra as tropas estadunidenses que invadiram o país em 2003. Depois desse grupo quase se dissolver, ele renasceu em 2006 com o nome de Estado Islâmico.

É considerada a organização terrorista mais poderosa e perigosa no mundo hoje. Seu surgimento se relaciona diretamente à “Guerra ao Terror”, política externa do governo do ex-presidente dos Estados Unidos George W. Bush. Tal política foi uma resposta aos ataques de 11 de setembro de 2001 cometidos pela organização terrorista Al Qaeda. Nesse contexto, quando os EUA invadiram o Iraque, vários movimentos se organizaram em entidades terroristas, que queriam combater as invasões – e o Estado Islâmico foi uma delas.

Em 2010, com o novo líder Abu Bakr al-Baghdadi, o grupo passou a ser reconhecido como “Estado Islâmico do Iraque e da Síria” (Islamic State of Irak and Syria – ISIS). Entre 2011 e 2013, devido aos conflitos na Síria no pós-primavera árabe, o ISIS  ganhou força, conforme foi aumentando o número de rebeldes lutando contra o regime.

Em 2014, o E.I. estava tão forte que dominou algumas áreas na Síria e no Iraque, as quais chamou de califados – o termo se refere aos antigos impérios islâmicos depois de Maomé, que seguiam rigorosamente as leis islâmicas. Esse é o principal objetivo do E.I.: tomar territórios para chamar de seu, criar esse Estado que tem como princípio as leis islâmicas e destruir tudo o que remeter ao Ocidente – em termos políticos, culturais, religiosos e históricos.

O Estado Islâmico toma posse de bases militares, bancos, campos de petróleo, em todas as áreas que conquista, a fim de dominar tudo o que existe no território. Dessa forma, também exerce controle sobre a população que reside ali, uma vez que agem como um verdadeiro Estado, com o líder (o califa), governo próprio, com ministérios, cortes islâmicas, segurança. Cobram impostos e taxas da população, também, além de vender petróleo ilegalmente.

O E.I. é conhecido por querer destruir a história – monumentos, estátuas, templos históricos -, mas também pela truculência com que age com civis, realizando sequestros e extorsões. A venda ilegal de petróleo, os sequestros e as extorsões garantem ao E.I. uma renda diária estimada em 2 milhões de dólares.

O Estado Islâmico é conhecido por suas estratégias de mortes coletivas. Ou seja, a organização promove execuções, decapitações, enforcamentos e amputações em massa e divulga os vídeos na internet. Eles fazem isso com os grupos que consideram infiéis – as minorias étnicas e religiosas, além de ocidentais – e os apóstatas – muçulmanos que teriam renegado a religião.

Os últimos ataques mais reverberados (repercutidos) na mídia, em escala mundial, tiveram a autoria assumida pelo Estado Islâmico. Essas ações, que tomaram lugar na Europa, nos Estados Unidos, além de outros países na Ásia e na África, mostram o poder de capilarização (ação de melhor distribuir) que a organização tem no mundo.

Os atentados foram:

O ataque no Bataclan, uma casa de shows em Paris, num bairro com vários restaurantes, cafés e boates do tipo, em 13 de novembro de 2015. Foram 130 pessoas mortas e 352 feridas, com tiros ou explosões – que não se limitaram ao Bataclan, e atingiram pessoas em outros locais da região. Especula-se que a ação foi uma retaliação aos ataques da França e dos EUA na região dominada pelo E.I. na Síria e no Iraque. Depois dos ataques na França, discutiu-se sobre a questão da segurança na União Europeia e, também, sobre as várias pessoas recrutadas pelo Estado Islâmico no continente. Alguns dos autores eram da Bélgica, mas haviam viajado diversas vezes à Síria naquele ano.
A bomba que atingiu e derrubou o avião russo da companhia Metrojet no Egito, em 31 de outubro de 2015. Estavam a bordo e morreram 224 pessoas.

Um ataque de homens-bomba matou 44 pessoas em Beirute, no Líbano.

Nos EUA, um casal que se disse integrante do Estado Islâmico atirou contra uma residência de apoio e tratamento a pessoas com deficiência. Deixaram 14 pessoas mortas.

Poder De Recrutamento - A organização ganhou força em 2011, quando a guerra civil na Síria, contra o ditador Bashar Al-Assad começou a se intensificar. Assim, desenvolveu um enorme poder de mobilização e uma capacidade operacional muito eficiente, com alto treinamento e muitos aparatos militares.

Não existem números exatos sobre a quantidade de pessoas que são parte da organização Estado Islâmico. Estima-se que são cerca de 35 mil pessoas, mas outras avaliações colocam números próximos a 100 mil. A organização utiliza desde vídeos no YouTube a posts nas redes sociais ou revistas online, em que profere discurso religioso que instiga o ódio para convidar pessoas a se juntar a eles.

As formas de recrutamento do E.I. são extremamente eficazes em diversas partes do mundo. Na Europa, por exemplo, existem muçulmanos decepcionados com a xenofobia que sofrem e com a falta de oportunidades e que, por isso, aceitam fazer parte do E.I. Já em lugares como a Síria, onde a guerra civil contra o ditador é extremamente violenta, alguns rebeldes se juntam ao grupo a fim de ganhar mais força na luta contra o governo.



P.S: Este texto foi escrito em 2017. Portanto, o tabuleiro geopolítico (e seus números) já foi bastante alterado.